domingo, 21 de outubro de 2012

O sorriso habitado


Ele andava pelas ruas solitário. Olhava em volta e via pessoas, pessoas e mais pessoas, mas ainda assim se sentia sozinho. Todos passavam apressados, em sua rotina diária, com compromissos inadiáveis e insubstituíveis. Tinham que correr. Não tinham opção. Se prenderam àquela vida e não conseguiam mais se livrar dela. Só se sentiam úteis correndo, com maletas e celulares.

E ele andava só. Tinha compromissos como todo mundo, mas tinha que ter um tempo só para ele. Um tempo em que pudesse fazer as coisas que gosta, sem pressa, sem horários. Um tempo para ser feliz. Para sentir no rosto o vento fresco de início de primavera, para ver a maneira como os pássaros cantam como forma de atrair um companheiro, e ver como os cachorros de rua se divertem com simples poças d’água e gravetos secos. Em seu rosto formam-se sorrisos espontâneos, que nem mesmo ele sabe de onde vem, acompanhados de uma sensação de paz e leveza. A maioria das pessoas daquele grande centro robotizado não sabe o que é essa sensação. Não tem tempo para isso. E isso deixa o pequeno solitário infeliz.

“Como pode eles abrirem mão de algo tão simples? Tão essencial?”, ele se questionava. O sorriso. Você não vê sorrisos espontâneos nas pessoas robotizadas. Vê sorrisos falsos, forçados para agradar o chefe ou o cliente. No máximo sorrisos de alívio, no final da tarde, após mais um dia de exaustivo trabalho, que vai ser sucedido por outros tantos dias exaustivos de trabalho. Então, em uma praça, ele viu uma mulher.

Não era uma mulher comum. Era uma mulher habitada. Que tinha alma e que não via o mundo como os robotizados, mas que tinha a esperança de que eles, no fundo, fossem também habitados. E sua missão era fazê-los rir. Ela se vestia de mímico. Em preto e branco, com maquiagem de máscara grega e meiões listrados até a coxa. Tinha um vestido como os de boneca, e luvas compridas com pequenos corações. Sapatos com pompons nas pontas e um chapéu pequeno e engraçado. Ela chamava a atenção. E chamou a atenção do pequeno solitário.

Ela fazia rir. Não pedia dinheiro nem recompensa. Ela brincava com as flores, importunava o pipoqueiro, e levava um balão à criança que havia derrubado o sorvete. Conversava com o mendigo, elogiava a moça grávida, e batia palmas cada vez que o sol saia de trás de uma nuvem e aquecia novamente aquela praça. E ela conseguia. Dos mais distraídos e rabugentos, ela tirava um sorriso. E por mais que este fosse rápido e com timidez, trazia para a moça a sensação de dever cumprido. Essa era a sua missão.

E o pequeno solitário ficou encantado. Viu nela, naquela pessoa sozinha, que agia maneira simples e sem pedir nada em troca, alguém que fazia sua parte para deixar o mundo mais feliz. E ele, também chamou a atenção da moça habitada. Não pela sua aparência, já que não usava nada além de uma camiseta, um jeans rasgado e um all star surrado. Ela viu nele aquela mesma luz que há pouco havia se iluminado nela por outros olhos. Uma luz de esperança.

Ela viu que ele não era igual às outras pessoas que ela tentava fazer rir. Que ele não era mais um robotizado pela sociedade, e sim um também habitado. Ela não sabia o que a tinha feito chegar a essa conclusão. Ela apenas sabia.

Então, agora foram dois sorrisos. Dois sorrisos espontâneos, que ambos não sabiam de onde vinha, e que trazia paz e leveza em dobro. E ela estendeu as mãos. E foi como se algo o puxasse para perto dela. E ele foi.

Hoje, a praça do centro já não é mais a mesma. Ela anda mais iluminada. Nela, as pessoas passam, mesmo que com pressa, só para sentir aquela sensação boa, que ninguém explica. E nela, estão dois habitados. Fazendo rir, fazendo brincar, fazendo desligar a rotina por alguns segundos, só para mostrar como a vida é legal, e que não deve ser desperdiçada. São apenas dois, mas a diferença que eles fazem na vida daquele monte de gente não pode ser contada. 


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