Outro dia, passava de ônibus pela entrada de uma propriedade
na beira da estrada e o que imediatamente me atraiu os olhos foi um banquinho
feito de tronco de árvore, talhado ligeiramente para receber um ocupante.
Estava lá, ao lado da estradinha barrenta e em frente à cerca de madeira que
separava a casa da rodovia. Dava para ver que fora feito somente para uma
utilidade: para o dono da casa, quem sabe após um dia inteiro de lida na roça,
pegar seu cigarro de palha, se sentar e ver o movimento de fim de tarde.
Ele não estava lá, mas podia vê-lo. Alto, magro, setentão,
com calça social meia-canela que termina com um chinelo de dedo de tiras azuis,
a camisa desgrenhada com alguns botões abertos na altura da gola, mostrando um
pomo-de-adão bastante saliente. Ele, com chapéu de palha, olhos azuis, murchos,
bigode amarelado e pernas cruzadas para no joelho apoiar o braço que segura o
fumo.
Ele admira o asfalto. Olha os caminhões passando, o sol se
pondo, o dia acabando. Solitário, pensativo, mas feliz. Deve fazer isso todos os dias, como um ritual
pessoal. “Está na hora, vou para o meu banquinho olhar o movimento...”.
É curioso pensar que cada local que passamos tem uma
história. Todo lugar tem. O banco da praça da igreja, quem sabe, dez anos atrás
recebia um casal de namorados jovem e inocente, que rabiscou na tinta descascada
um coração com suas iniciais dentro. Aquela árvore robusta, bem certo podia ter
recebido uns moleques desenxabidos há algumas décadas para se pendurar entre os
seus troncos e se esconder das broncas da mãe. Aquela construção velha e
semi-destruída que permanece levantada, mesmo sem utilidade, quem sabe poderia
ter sido um salão de baile de paredes enfeitadas, nas quais, se você encostar o
ouvido com atenção, ainda pode ouvir as valsinhas embalando os casais
empolgados.
É assim. Tudo é uma história. Cada migalhinha de aparente
insignificância para os olhares distraídos pode ser na verdade rica, de
sentimentos, de simbolismo, de energia. O que você está fazendo agora, no local
onde estiver, é uma nova história. E quando você sair, outro virá e construirá
outra história.
Nascemos, crescemos, morremos. Mas quem disse que não
deixamos nada?
"Sim, do mundo nada se leva. Mas é formidável ter uma porção de coisas a que dizer adeus". Millôr Fernandes
"Sim, do mundo nada se leva. Mas é formidável ter uma porção de coisas a que dizer adeus". Millôr Fernandes
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