Não há sensação mais gostosa do que a de terminar um livro.
De, após dedicar boas horas de sua vida a uma história e mergulhar nela
intensamente, virar sua última página. Aquele breve flashback da trama que involuntariamente nos toma, nesse instante
final, traz consigo já uma saudadezinha, provocada tanto pelo inevitável
envolvimento com o(s) personagem(s) como pelas palavras mágicas da obra como um
todo. Nem todo livro provoca isso, e não sei se os que provocam trazem a mesma
sensação em todo leitor, mas que é interessante, é.
Acabei de virar a última página de On the Road, do mago da geração beat,
Jack Kerouac, e imediatamente saltitei rumo ao computador para extravasar as
palavras que pipocavam na minha cabeça. Livrinho definitivamente subestimável, poderia
dizer. Edição pocket, baratinha, aparentemente inofensiva, mas que me consumiu
algumas semanas e me provocou alguns delírios causados pelas intermináveis e
incontáveis digressões espalhadas ao longo da obra pelo autor.
Kerouac era doidão. Só pode. Dizem que ele escreveu On the Road no
período de três semanas em um rolo de papel para telex, sem parágrafos, em infindáveis frases que se perdiam de vista até verem uma
vírgula ou um ponto. Escreveu o que seria uma autobiografia em primeira pessoa,
narrada sob o nome de Sal Paradise, de suas intensas viagens pelas estradas da
América no fim da primeira metade do século passado. Viagens marcadas por
muitos devaneios, ao som de jazz e ao ritmo da tal da benzedrina, na companhia
de amigos igualmente doidões, como Dean Moriarty, também um pseudônimo,
tudo embalado em uma gostosa prosa bastante espontânea.
Um obra que facilmente pode ser confundida como uma história
fútil, à lá sexo, drogas e rock’n roll (só que com jazz ao lugar de rock) de
jovens sem compromisso procurando por diversão e liberdade. Na verdade, é isso mesmo, só que envolta em
uma sintonia extremamente poética. Não sei como descrever exatamente, até
porque qualquer palavra que eu ouse utilizar me deixaria no chinelo, se
comparado ao texto de Kerouac. Mas esses caras doidões, ou ao menos Jack,
tinham uma visão tão detalhada da vida, das coisas mais simples, que você se
encanta ao perceber. Nas digressões a que me referi, o autor praticamente cria uma poesia
para cada situação que será por ele descrita. O livrinho tem a tradução de
Eduardo Bueno, que provavelmente teve um imenso trabalho porém um talento do
mesmo tamanho para conseguir passar ao leitor brasileiro as viagens reais e
literais de Kerouac.
Essa foi a sensação que tive ao virar a última página de On the Road. De sair contando para todo
mundo o que é essa obra, e de voltar as páginas para grifar as digressões mais
extasiantes para lê-las em voz alta e promover esse mesmo encantamento em uma
outra pessoa. Ah, e de tentar adquirir a versão em inglês, para conhecer esse
rico vocabulário de Kerouac em sua língua original.
On the Road vai agora
para a minha prateleira. Junto aos outros que igualmente me excitaram, para dar
lugar a uma nova embriaguez. Vamos virar mais uma vez a primeira página.
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