quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Nada como virar a última página


Não há sensação mais gostosa do que a de terminar um livro. De, após dedicar boas horas de sua vida a uma história e mergulhar nela intensamente, virar sua última página. Aquele breve flashback da trama que involuntariamente nos toma, nesse instante final, traz consigo já uma saudadezinha, provocada tanto pelo inevitável envolvimento com o(s) personagem(s) como pelas palavras mágicas da obra como um todo. Nem todo livro provoca isso, e não sei se os que provocam trazem a mesma sensação em todo leitor, mas que é interessante, é.

Acabei de virar a última página de On the Road, do mago da geração beat, Jack Kerouac, e imediatamente saltitei rumo ao computador para extravasar as palavras que pipocavam na minha cabeça. Livrinho definitivamente subestimável, poderia dizer. Edição pocket, baratinha, aparentemente inofensiva, mas que me consumiu algumas semanas e me provocou alguns delírios causados pelas intermináveis e incontáveis digressões espalhadas ao longo da obra pelo autor.

Kerouac era doidão. Só pode. Dizem que ele escreveu On the Road no período de três semanas em um rolo de papel para telex, sem parágrafos, em infindáveis frases que se perdiam de vista até verem uma vírgula ou um ponto. Escreveu o que seria uma autobiografia em primeira pessoa, narrada sob o nome de Sal Paradise, de suas intensas viagens pelas estradas da América no fim da primeira metade do século passado. Viagens marcadas por muitos devaneios, ao som de jazz e ao ritmo da tal da benzedrina, na companhia de amigos igualmente doidões, como Dean Moriarty, também um pseudônimo, tudo embalado em uma gostosa prosa bastante espontânea.

Um obra que facilmente pode ser confundida como uma história fútil, à lá sexo, drogas e rock’n roll (só que com jazz ao lugar de rock) de jovens sem compromisso procurando por diversão e liberdade. Na verdade, é isso mesmo, só que envolta em uma sintonia extremamente poética. Não sei como descrever exatamente, até porque qualquer palavra que eu ouse utilizar me deixaria no chinelo, se comparado ao texto de Kerouac. Mas esses caras doidões, ou ao menos Jack, tinham uma visão tão detalhada da vida, das coisas mais simples, que você se encanta ao perceber. Nas digressões a que me referi, o autor praticamente cria uma poesia para cada situação que será por ele descrita. O livrinho tem a tradução de Eduardo Bueno, que provavelmente teve um imenso trabalho porém um talento do mesmo tamanho para conseguir passar ao leitor brasileiro as viagens reais e literais de Kerouac.

Essa foi a sensação que tive ao virar a última página de On the Road. De sair contando para todo mundo o que é essa obra, e de voltar as páginas para grifar as digressões mais extasiantes para lê-las em voz alta e promover esse mesmo encantamento em uma outra pessoa. Ah, e de tentar adquirir a versão em inglês, para conhecer esse rico vocabulário de Kerouac em sua língua original.

On the Road vai agora para a minha prateleira. Junto aos outros que igualmente me excitaram, para dar lugar a uma nova embriaguez. Vamos virar mais uma vez a primeira página.

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